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Avaliação Sistêmica e Avaliação da Aprendizagem nos Ciclos de Formação Básica

2 - COMO ESTAMOS AVALIANDO: FINALIDADES E CARACTERÍSTICAS DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM.

PROBLEMATIZANDO A AVALIAÇÃO

Antes de mais nada, é preciso que fique claro que, independentemente da forma adotada de organização do trabalho escolar, a própria intenção de oferecer à comunidade uma educação de qualidade impõe a necessidade de se fazer um esforço visando a superar as deficiências formativas dos educadores na área de avaliação. No entanto, não basta mais capacitar os professores apenas para elaborar boas provas, por mais bem construídas que sejam, assim como não basta aplicar provas mais frequentemente ou distribuir os "pontos" de uma forma mais equilibrada e justa para que o sistema de avaliação escolar passe a dar as respostas que a nova realidade demanda. O que é preciso é passar a considerar a questão da avaliação da aprendizagem de um modo inteiramente novo, de maneira a torná-la um instrumento de conhecimento dos alunos, das suas diferenças e semelhanças, das suas qualidades, interesses e necessidades bem como da eficácia do trabalho educativo que se realiza na sala de aula.

Para isso, não podemos deixar de submeter as práticas avaliativas usuais anteriormente descritas a um exame crítico dos seus fundamentos e pressupostos. Nesse sentido, a pergunta que todo professor se faz ao pensar na avaliação dos seus alunos, e que será primeiramente examinada, é a seguinte: "como é possível saber o que o aluno aprendeu daquilo que lhe foi ensinado?".

Essa pergunta, como formulada, pode conduzir a dupla interpretação. Aquela mais compatível com as concepções e procedimentos ainda presentes na nossa escola denuncia uma visão limitada e reducionista da educação escolar por supor que apenas o conteúdo ensinado tem relevância na formação do aluno, embora a escola não ignore que o aluno saiba e possa aprender mais coisas que o que lhe é ensinado pelo professor. A propósito, Emília Ferreiro afirma a esse respeito que "se pensarmos que as crianças são seres que ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender, talvez comecemos a aceitar que podem saber, embora não tenha sido dada a elas a autorização institucional para tanto." Apesar disso, o pressuposto é que importantes são apenas os conhecimentos que o professor domina e transmite aos alunos, os quais devem esforçar-se para aprendê-los e tornar-se capazes de reproduzi-los quando solicitado. Assimilar o que foi ensinado é a regra chave a que todo aluno deve se submeter.

Nessa perspectiva, qual a melhor maneira de se saber o que foi aprendido ou assimilado pelo aluno? A resposta tradicional e comumente dada considera a prova, o teste ou exame como sendo o instrumento de avaliação por excelência. Não é, portanto, sem razão que "saber fazer boas provas" vem sendo considerada uma qualidade desejável e até indispensável de todo professor. Mesmo com as mudanças introduzidas no ensino fundamental, essa continua a ser uma qualidade importante, embora seja necessário que todo professor tenha sempre presente as limitações desse instrumento de avaliação.

Em primeiro lugar, uma prova não abrange tudo que foi ensinado, mas apenas aqueles aspectos que o professor julga mais relevantes. Desse modo, e por essa razão, ela não é capaz de informar a respeito de tudo que o aluno aprendeu.

Em segundo lugar, uma prova mede não o que o aluno sabe, mas o seu desempenho nela, o qual depende de vários fatores, como o modo de formular as questões, o estado psicológico do aluno, a sorte, as circunstâncias em que ela ocorre etc. Isso significa duas coisas: primeiro, que o desempenho do aluno pode ser diferente se a mesma prova for realizada em outro momento e em outras circunstâncias; segundo, que o seu insucesso não traduz apenas uma deficiência sua, podendo decorrer de outras falhas presentes no instrumento ou no processo de avaliação. Além do mais, errar uma questão numa prova não significa necessariamente desconhecimento do assunto, porque aprender não é tornar-se capaz de repetir o que foi ensinado: é assimilar algo a uma estrutura já existente, o que pode introduzir no que foi ensinado ajustes e novidades não previstas pelo professor. Assim, a nota atribuída ao desempenho do aluno cumpre mais o papel de situá-lo em relação ao desempenho da sua turma que de informar o quanto ele aprendeu do que foi ensinado.

Em terceiro lugar, enganam-se todos aqueles que acreditam que a prova é um instrumento objetivo de avaliação. Avaliar supõe escolhas, juízos e interpretações, o que confere um alto grau de subjetividade ao processo de avaliação. Não há uma avaliação "absoluta", no sentido de que os seus resultados sejam isentos, neutros e independentes de quem está avaliando.

Finalmente, é preciso ter em mente que provas são aplicadas em momentos determinados e, não importa com que frequência isso ocorra, medem o desempenho do aluno nesses momentos determinados, ignorando as atividades reais e as manifestações dos alunos ocorridas nos intervalos entre elas. E são essas atividades reais e essas manifestações que poderiam, mais apropriadamente, nos informar a respeito dos seus interesses, dos seus pontos de vistas, das suas qualidades e competências, bem como das suas necessidades e deficiências.

A respeito das provas ou exames escolares, Piaget a eles se refere nos seguintes termos:

"Tudo já foi dito sobre o valor dos exames escolares e, no entanto, essa verdadeira praga da educação em todos os níveis continua a viciar - as palavras não chegam a ter a violência necessária - o relacionamento normal entre professor e aluno, comprometendo em ambos a alegria de trabalhar e, frequentemente, a confiança recíproca. As duas falhas essenciais do exame consistem, na realidade, no fato de que em geral ele não possibilita resultados objetivos e acaba se transformando, fatalmente, em fim por si mesmo(...). O exame escolar não é objetivo, antes de mais nada, porque implica sempre uma parcela de sorte; além disso, e sobretudo, porque está mais voltado para a memória que para as capacidades construtivas do aluno (como se este último estivesse condenado a nunca mais se utilizar de seus livros após deixar a escola!) (...). O exame escolar torna-se um fim em si mesmo porque passa a ser o centro das preocupações do professor, ao invés de favorecer sua vocação natural para despertar consciências e inteligências; e porque orienta todo trabalho do aluno para o resultado artificial que é o bom êxito nas provas finais, ao invés de apelar para as suas reais atividades e sua personalidade."

Nessas condições, não é justificável que o professor continue a acreditar que a soma das várias notas obtidas ao longo do ano possa constituir uma base de informações suficientes e seguras para que possa decidir, com tranquilidade e confiança, pela reprovação ou promoção dos seus alunos. Menos justificável ainda seria manter as mesmas concepções e os mesmos procedimentos num contexto em que a escola passa por profundas transformações, visando a torná-la mais capaz de reconhecer e lidar com as diferenças que os alunos apresentam, mais adaptada a suas características e necessidades. Não se trata mais de aprovar ou de reprovar os alunos, mas criar as condições para o seu pleno desenvolvimento e tornar a experiência escolar uma oportunidade para aprendizagens reais e significativas.