Biblioteca Virtual

Migração:
Reordenando o Terrítório e a Vida das Pessoas

 

REGIONALISMO E MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS

A tentativa de homogeneizar o espaço nacional brasileiro sob a direção do capital e do estado autoritário trouxe para o debate a questão do regionalismo, discutindo seu caráter conservador, no que se refere às desigualdades e desequilíbrios no território, nas relações colonialistas entre regiões, nos obstáculos à difusão da modernidade e a divisão espacial do trabalho, identificada como velho regionalismo.

Revendo essas questões surgem novas interpretações das territorialidades regionais relacionadas com o movimento da população brasileira, sobretudo, a partir da década de 80. Esse novo regionalismo se caracteriza pela revalorização de uma série de símbolos como as tradições, a cultura, os valores, os costumes expressos na identidade com a terra e o território. A constituição de novos espaços identitários coloca em cena grupos de resistência como os barragistas (defensores de regiões do entorno da barragem hidrelétrica), os seringueiros, os movimentos indígenas, os movimentos sem terra, que resistem ao projeto político de homogeneização do espaço nacional. Eles apontam para a construção de novas territorialidades emergentes através de movimentos e dinâmicas políticas e culturais que dão nova configuração identitária ao território, a defesa da terra e dos recursos ambientais (os seringais, a água, a floresta, a terra).

Outra vertente do regionalismo pode ser explicada pela metáfora da diáspora gaúcha e nordestina, que enfatiza a força do fluxo migratório desses grupos com uma forte identidade cultural e vínculos com as raízes (a terra natal), como revelam os sulistas nos cerrados do Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Paraguai. Nas bordas desse país estão os brasiguaios.

Esses fluxos reterritorializam os espaços ocupados dando-lhe nova configuração identitária.

As raízes do gauchismo e da nordestinidade não se contrapõem, o que as diferencia é a identidade com a terra e seu uso.

O nordestino sertanejo como foi descrito na literatura de José de Alencar ou o “baiano” ou “paraíba” , como são chamados no sul, estão sempre se deslocando sem deixar suas marcas identitárias (costumes, tradições) no espaço de ocupação. Deslocando intensamente intra e inter-regionalmente, os nordestinos ganharam as metrópoles de Recife e Salvador acentuando os problemas socioambientais da década 1940/50. Ainda hoje a migração sazonal faz dos corumbás (migrantes do agreste) a principal mão-de-obra, do plantio da cana na Zona da Mata.

A mídia e o cinema (O homem que virou suco) mostraram intensamente o fluxo migratório decorrente da seca (Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos e Central do Brasil, de Walter Salles). A maioria desses migrantes se dirigiu para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Norte, Paraná. O ir e vir não deixou marcas, não criou vínculos, não territorializou o lugar como retrata Patativa do Assaré, no seu poema Triste Partida, cantado por Luís Gonzaga:

" (...) Nós vamo a São Paulo que a coisa ta feia,
Por terras alheias nós vamo vagar,
Se nosso destino não for tão mesquinho,
Pro mesmo caminho nóis torna a voltar (...)
Distante da terra tão seca, mas boa
Exposto à garoa, à lama e o pau
Faz pena o nortista tão forte e tão bravo
Viver como escravo no norte e no sul."

O resultado de toda essa dificuldade e contradição foi o uso político que sustentou a indústria da seca, um retrato do velho regionalismo de favores e trocas eleitorais com controle espacial do voto por famílias tradicionais. O nordestino não deixa marcas identitárias, mas seu trabalho está em grande parte dos arranjos espaciais brasileiros. O novo redirecionamento das indústrias de consumo para o Nordeste vem significando o caminho de volta e a fixação para muitos nordestinos.

O gaúcho do pampa, ou de Santa Catarina, ou do Paraná é o retrato do sulino que no rastro da modernização capitalista da década de 80, aproveitou os investimentos da SUDENE e a tecnologia da EMBRAPA para desbravar o cerrado das bordas do Centro-Oeste, Norte, Nordeste.

Contrário ao fluxo dispersivo e sem vínculo do nordestino, o sulista (re) cria o arranjo da terra conquistada e a territorializa com suas referências identitárias como os costumes ( chimarão, bombacha, a música sulina, a rádio gaúcho, o churrasco, o vinho), a tradição ( laços familiares, CTG –Centro de Tradição Gaúcha ) e a origem étnico-religiosa européia (ítalo-germânico/ católico-luterana). Dessa forma não há vinculação entre classe social e identidade, prevalecendo a solidariedade identitária representada na difusão de CTG espalhado pelo interior do país, numa rede que está fortalecida economicamente nas cooperativas e empresas com sede no Sul e a política do voto exclusivo aos candidatos sulinos. Essa identidade é recriada no lugar em que desbravam e territorializam, sobrepondo-se à cultura local.

Os brasiguaios, famílias gaúchas que emigraram para as áreas agrícolas do Paraguai, na década de 70, atraídos pelos incentivos oficiais do país não tiveram a mesma sorte nem cravaram sua identidade nesse país. Os que enriqueceram retornaram e os que ficaram vivem sob perseguição legal no Paraguai. Como no caso dos nordestinos, o sonho dos brasiguaios é melhorar de vida e voltar para o Sul.

Os seringueiros e barrageiros estão profundamente identificados com a terra e o território revelando sua resistência na formulação de projetos alternativos de desenvolvimento para suas regiões. São reações ao processo de modernização e apropriação territorial promovido pelo Centro-Sul com o apoio do Estado.

Assim, o processo migratório inter-regional recria a identidade territorial* de diferentes grupos sociais, consolidando movimentos de base popular, num novo regionalismo que valoriza os símbolos identitários (tradição, cultura, valores, língua, religião), rompendo com a tradição latifundiária e desenvolvimentista do velho regionalismo.

ATIVIDADE 1 - INTERPRETAÇÂO DE TEXTO

A) Estabeleça uma comparação socioespacial entre o velho e novo regionalismo, procurando questionar a nova perspectiva geográfica de abordagem de movimentos migratórios.

B) O que muda no entendimento dos fluxos migratórios? O que acrescenta à sua compreensão do fenômeno da migração?

C) Elabore seu entendimento de regionalismo na perspectiva da migração.

D) Registre. Coloque data para avaliar o seu processo de aprendizagem.

ATIVIDADE 2- O regionalismo na literatura e na realidade: ampliando a análise do texto

Alguns escritores brasileiros traçaram a identidade regional de seus personagens como José de Alencar e Euclides da Cunha. De forma estereotipada retrataram o gaúcho e sertanejo, cuja identidade e associação permaneceu. Com a ajuda do professor de literatura investigue e selecione trechos dessas duas obras que revelam essa representação regional. Em seguida compare-os com os depoimentos colhidos na pesquisa de HAESBAERT:1997, na região desbravada pelos sulistas:

A sorte deles foi vir o pessoal do Sul para lhes ensinar trabalho. São gente simples, de boa vida, sofrem e não reclamam (...) não fazem nada, não têm ambição, mas são bonzinhos para tratar. O gaúcho tem visão ampla, mais motivação – e não é só por dinheiro, é ‘ razão de viver’, ele enxerga mais. ( dona-de-casa sulista em fazenda da Chapada Diamantina)

O gaúcho aqui é nota 10 – quem faz supermercado é gaúcho, quem puxa o sindicato é gaúcho, quem compra grão é gaúcho. Gaúcho aqui é quem puxa tudo”. ( favelado baiano).

A) Quais são as permanências do regionalismo e os estereótipos presentes nos depoimentos? O que leva uma moradora local (baiana) a ter essa visão dos “sulistas”?

B) Compare o processo de migração dos nordestinos e dos sulinos e tente explicar quais são as raízes desse estereótipo. Se encontrar a música Nordeste Independente cantada por Elba Ramalho trabalhe com as diferenças.

C) Que hipótese você levanta sobre a permanência desses estereótipos e a situação do nordeste e do nordestino?


ATIVIDADE 3 - ANÁLISE CARTOGRÁFICA

A) No mapa político do Brasil organizado por você espacialize os fluxos migratórios citados no texto, discriminando com símbolos, as regiões de atração consideradas frentes pioneiras; e as regiões de expulsão consideradas de mobilidade estratégica e de sobrevivência.

B) Produza um texto explicando sua organização cartográfica e tente prognosticar qual será a nova frente pioneira no Brasil tendo em vista as mudanças no mundo do trabalho.

Auto-avaliação

A) Faça uma lista dos novos conhecimentos que você já tem sobre o movimento migratório: um novo índice, destacando, em outra cor, o que você aprendeu de novo desde que começou a estudar esse fenômeno. Coloque a data em seu registro.

B) Em que esses conhecimentos lhe possibilitam analisar o fenômeno migratório reordenando o território e a vida das pessoas? Registre sua impressão. Coloque data.