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Analisando e Descrevendo os Movimentos

MUDANÇAS DE VELOCIDADE: ACELERAÇÃO

É muito difícil determinar, apenas pela observação, se a velocidade de um objeto varia, ou como ela varia. Hoje, dispomos de recursos tecnológicos que nos possibilitam produzir registros de inúmeros tipos de movimento. Na época de Galileu (1554 a 642), um precursor no estudo dos movimentos, não havia nenhum dos recursos hoje disponíveis. Ele, no entanto, introduziu com astúcia e imaginação um conceito central ao estudo dos movimentos. Falamos aqui do conceito de aceleração.

A) AS FOTOGRAFIAS ESTROBOSCÓPICAS

Até agora temos usado o conceito de velocidade média para estudar os movimentos. Como você já deve ter percebido, esse conceito é importante, mas também é bastatante limitado. Um estudo mais minucioso nos leva à necessidade de determinar a velocidade em pequenos trechos do movimento, bem como de analisar de que forma a velocidade varia ao longo do tempo.

A título de exemplo, consideremos a queda de objetos abandonados nas proximidades da superfície da Terra. Nessas circunstâncias, os objetos caem por causa da força gravitacional e, em conseqüência, variam sua velocidade.

Um modo de examinar o movimento de um objeto caindo livremente consiste em colocá-lo numa sala escura e preparar uma câmara fotográfica para fotografar seu movimento. As câmaras fotográficas são caixas completamente vedadas: nem mesmo a luz entra nelas até o momento em que se aperta o “botão do click”. Ao apertarmos esse botão provocamos a entrada de luz e a formação da imagem sobre o filme. Se a sala está escura, mesmo com o filme exposto, não há luz suficiente para produzir uma imagem que sensibilize o filme. Além da força gravitacional, um objeto em queda também sofre a ação de uma força dirigida para cima, no sentido contrário ao sentido de seu movimento. O valor dessa força, denominada “força de resistência do ar”, depende do tamanho, da forma e a velocidade de queda.

Para produzir uma foto de múltiplas exposições, que registre diversas posições ocupadas por um objeto em queda (vide figura 9), devemos instalar na sala escura uma lâmpada estroboscópica. Esse é o tipo de lâmpada usado em discotecas. É uma lâmpada que se acende e se apaga continuamente em rápidos flashes.

Cada vez que a lâmpada acende, o objeto em movimento reflete luz o que provoca a formação de uma imagem no filme. Como a lâmpada pisca várias vezes enquanto o objeto cai, formam-se várias imagens do objeto no mesmo pedaço de filme. Quando o filme é revelado, a foto apresenta uma aparência semelhante a da figura 9.

O tempo transcorrido entre o registro de uma imagem e o registro da seguinte é igual ao tempo em que a lâmpada fica desligada antes de disparar outro flash . Para saber a distância percorrida pelo objeto durante este tempo, é necessário usar uma escala. A escala é importante porque as dimensões da foto são normalmente diferentes das dimensões do ambiente fotografado.

A tabela 5 foi construída a partir da figura 9. O centro da esfera mostrada na figura foi tomado como origem e o tempo foi contado a partir daí. As distâncias que aparecem na tabela são sempre medidas em relação à origem ou ponto 0. Usando esses valores de distância percorrida e tempo gasto, pode-se calcular a velocidade média da esfera em cada trecho. A partir desses dados, nota-se que a velocidade média da esfera varia, crescendo contínuamente.

Figura 9 - Aspecto da fotografia estroboscópica de uma esfera em queda com tempo de exposição entre fotos igual a 1/20s.

Tabela 5 - Velocidade média, por intervalo entre posições sucessivas ocupadas pela esfera em queda livre representasda na figura 9
Nº do intervalo tempo (segundo) distância (cm) Veloc. média (cm/s)
1
0,05
1,23
2,45
2
0,10
4,90
4,90
3
0,15
11,03
7,35
4
0,20
19,60
9,80
5
0,25
30,63
12,25
6
0,30
44,10
14,70
7
0,35
60,03
17,15
8
0,40
78,40
19,60
9
0,45
99,23
22,05
10
0,50
122,50
24,50

 

As variações encontradas na velocidade média da esfera podem ser explicadas como sendo produzidas pela ação da força da gravidade exercida pela Terra. Se fosse possível ter um velocímetro preso à esfera em queda, ele estaria indicando uma velocidade continuamente crescente durante a queda. A velocidade de um objeto a cada instante é chamada de velocidade instantânea.
Figura 10 - Velocidade média entre fotos sucessivas

 

A necessidade de determinar como varia a velocidade instantânea ao longo do tempo nos leva ao conceito de aceleração. Medir a aceleração de um movimento é determinar como varia a velocidade ao longo do tempo. É preciso um pouco de cautela com o uso do termo aceleração em Física. A Física utiliza o termo aceleração para se referir à alguma mudança na velocidade dos objetos. Isso inclui o aumento ou a diminuição da velocidade. Inclui, ainda, a mudança na direção do movimento. Aspectos mais sofisticados do conceito de aceleração serão tratados em uma outra oportunidade.


B) UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DO ESTUDO DOS MOVIMENTOS

Galileu Galilei (1564 - 1642) foi, aparentemente, o primeiro a apresentar o movimento de queda dos corpos da forma como hoje o compreendemos. Isto é um fato absolutamente curioso uma vez que pode-se considerar este movimento como algo “comum” e muito presente em nosso cotidiano. Na verdade, o estudo dos movimentos acelerados pode ser considerado um marco no “estudo matemático da realidade”, pois inaugurou uma cultura científica que marcou o surgimento da ciência moderna.

Em sua última e importante obra publicada em 1638, cujo título é “Diálogo de Duas Novas Ciências”1 , Galileu denominou o movimento de queda dos corpos como “movimento naturalmente acelerado”, bem como apresentou os conceitos e representações que até hoje utilizamos para o estudo desse movimento. Uma primeira afirmação fundamental e inovadora de Galileu foi a de que a velocidade de um corpo em queda aumenta com o passar do tempo. À época de Galileu, o conhecimento estabelecido dizia que os corpos caiam com velocidade constante e proporcional aos seus pesos.

O conhecimento antigo sobre a queda dos corpos, o qual foi desafiado por Galileu, não pode ser entendido como resultado de completa ignorância ou descuido na observação da realidade por parte do grego Aristóteles ou de todos os grandes sábios que nele acreditaram ao longo de aproximadamente vinte séculos. O fato é que apenas pela observação, não nos é possível afirmar nada acerca do aumento ou não da velocidade de um corpo em queda. Além de tratar-se de um movimento que acontece em um intervalo de tempo, normalmente, muito pequeno.

Galileu não fez uso de mera observação, mas contaminou tudo o que via com seu raciocínio matemático e com sua aposta na possibilidade de interpretação matemática da realidade. Acompanhemos, pois, a citação abaixo, retirada do “Diálogo” de Galileu:

Colocai um grave sobre uma matéria que cede, deixando-o exercer aí apenas a pressão de sua simples gravidade. É evidente que, se o elevarmos uma ou duas braças, deixando-o a seguir cair sobre aquela matéria, exercerá com o choque uma nova pressão, maior que aquela produzida apenas pelo seu peso; e o efeito será causado tanto pelo móvel em queda como pela velocidade adquirida na queda, efeito esse que será tanto maior quanto maior for a altura que precede o choque.... Deste modo, podemos conjecturar sem erro qual é a velocidade de um corpo que cai, a partir da qualidade e quantidade do choque. (Galileu Galilei, 1980, página 129)

Noutro raciocínio, Galileu aposta que a velocidade do corpo em queda aumenta proporcionalmente com o passar do tempo. É esta aposta que lhe trouxe a idéia de estudar o movimento de esferas em um plano inclinado para investigar como a velocidade do corpo realmente aumentava com o passar do tempo de movimento. Os instrumentos de que dispunha Galileu na época, deixam-nos a certeza de que não foi exclusivamente através de experimentos que ele pôde construir suas idéias acerca do movimento de queda dos corpos. Ele, certamente, partiu de suas convicções sobre a “simplicidade matemática” do universo. A esse respeito Galileu vai afirmar que:

Quando, portanto, observo uma pedra que cai de uma certa altura a partir do repouso e que adquire pouco a pouco novos acréscimos de velocidade, por que não posso acreditar que tais acréscimos de velocidade não ocorrem segundo a proporção mais simples e óbvia? (ibidem, página 127)

1- Galilei, Galileu (1980): Duas Novas Ciências” Título original: “Discorsi e Dimonstrazioni Matematiche intorno a due nuove scienzie attenenti alla Mecanixa ed ai Movimenti Locali.” - Traduzido pela Ed. Nova Stella Editorial, São Paulo.